quarta-feira, 12 de março de 2014

A briga da Criação

A área de Criação (que hoje eu chamo de produção editorial) compreende redação e arte. Conteúdo e forma. E essa, meus caros, é uma briga antiga. Neste breve artigo nós não vamos entrar no mérito filosófico e definir o que é conteúdo e o que é forma; não vamos citar caras como McLuhan e sua famosa expressão “O meio é a mensagem” (opa, já citei!). Aqui o que nós vamos fazer é manter o pé no chão e nos ater a dois aspectos que julgo muito importantes para quem trabalha na área de Criação e, consequentemente, toma decisões diárias em relação à produção de peças de comunicação. Vale qualquer peça (uma revista, um jornal, um report institucional, um newsletter, um livro, uma HQ...), pois esses são aspectos básicos da nossa labuta diária nesse mercado tão glamoroso (#sqn).

Por onde começar, então? Um caminho é entender que para o grande público, o conteúdo e a forma são muitas vezes indivisíveis – e isso é muito bom, pois é exatamente assim que tem de ser. Não cabe ao leitor de um livro, por exemplo, questionar a disposição do texto num grid, pois elementos textuais e gráficos precisam funcionar juntos, de modo que o leitor não se incomode. Em peças de comunicação do dia a dia, como o newsletter da sua organização, a forma precisa trabalhar junto com o conteúdo – afinal você não está pintando um quadro de Pollock. A escolha de fontes, tamanhos de títulos, recuos de parágrafos, balanço entre branco e preenchimento, imagens, grafismos e espaçamentos entre linhas não pode causar estranheza (a não ser, é claro, que o objetivo da peça seja justamente causar estranheza). A mesma coisa vale para o texto, pois você não está fazendo literatura. Redação e arte devem caminhar lado a lado, uma se apoiando sobre a outra de forma simbiótica e geralmente sóbria, seguindo um caminho comum que perpassa decisões conceituais e uma dose variável de gosto pessoal das pessoas envolvidas. Para quem trabalha com Criação, são esses os aspectos que julgo mais importantes para alcançar um nível desejável de qualidade editorial.

O conceito é a gênese de todo o resto > O conceito é o berço de qualquer peça de comunicação. O que queremos comunicar, com qual objetivo, a quem? Que tom queremos usar em nosso discurso?  Qual a mensagem central? Quais as mensagens secundárias, quais as informações de suporte? Quais valores devem estar implícitos em nossa fala? Tudo isso é conceito.

O conceito é a premissa do trabalho, de onde todo o resto vai partir. Isso significa que ele deve estar contido em todas as etapas da Criação. Uma revista de moda, por exemplo, terá um discurso e uma diagramação diferente de uma revista de finanças; um mesmo release, quando apresentado ao público interno de uma empresa, será diferente daquele publicado para investidores ou para o mercado em geral. Essas diferenças devem estar contidas no texto e na arte. Nem apenas em um, nem apenas no outro. Fazer a ponte entre os dois é certamente uma das tarefas de quem trabalha com Criação e as decisões sobre o que mudar num job em andamento, invariavelmente, devem passar por uma revisão conceitual. Se está adequado ao conceito, permanece. Se não está, pode ser lindo ou soar como poesia, mas em algum ponto alguém vai ter de ser chato e cortar.

Ok, parece fácil quando colocado dessa forma, mas o dia a dia é outra coisa. Nem sempre as coisas serão preto no branco; há uma dose bem grande de áreas cinzentas. Às vezes as coisas estão, sim, corretas conceitualmente, mas ainda assim o responsável pela Criação vai cortar. Por quê? Simplesmente por estilo. E gosto pessoal é uma coisa muito complicada.

E você, gosta de quê? > Entre o pessoal da redação, tem quem goste de períodos curtos e frases de efeito, tem quem goste de distribuir vírgulas a granel, tem quem goste de travessões, tem quem goste de apostos, tem quem goste de repetir palavras para criar um efeito coloquial (veja, por exemplo, quantas vezes eu repeti “tem quem goste”), tem quem goste do lead tradicional ou de aberturas invertidas à moda de jornalismo de revista... Tem muita gente que gosta de muita coisa. Algumas são inadequadas a determinadas peças, mas haverá momentos em que várias opções funcionam. E aí, qual escolher?

Já entre o pessoal de arte, tem gente que gosta de minimalismo e gente que gosta de rococó; tem gente que gosta de muito branco na página e gente que gosta de blocos pesados de texto; tem gente que justifica e gente que recua à esquerda. Quando se trabalha com um cliente específico, manuais de branding fornecem regras, mas mesmo essas regras são tênues e há muitas decisões que devem ser tomadas com base em estilo. A Gestalt, muitas vezes, dá um direcionamento, mas, ainda assim, restam decisões entre aspectos que não estão certos ou errados. Essas decisões recaem, mais uma vez, em estilo, e é nesse ponto que o cara da Criação vai ter de entrar dizendo coisas como: “Falta alguma coisa aqui... Falta um tchan!”, “E se a gente tirar isso e colocar aquilo?” – ou mesmo “Chega! Vamos mudar tudo!”, e alguém vai dizer (ou pensar, quando faltar a liberdade para dizer) “Porra, cara, então por que você não vem aqui e faz?!”.

Na verdade, o que esse profissional está fazendo é cuidar para que toda a peça tenha um estilo íntegro, independentemente de quem diagramou e de suas preferências pessoais naquele momento. Não é porque ele é chato – talvez ele até seja, mas ser chato não é condição sine qua non para o cargo. Também não é porque ele é mais importante que os colegas ou subordinados; o redator dá, sim, o tom dele às palavras que escolhe, e o diretor de arte também ao escolher uma ou outra imagem, definir um grid de duas ou três colunas, escolher essa ou aquela fonte... A Criação é geralmente um processo colaborativo, e é assim que tem de ser.

No fim do dia, contudo, tudo o que precisamos nos lembrar é que arrumar a casa é o trabalho do cara da Criação. Ele é, afinal, responsável pela harmonia das peças. Nem só pela arte, nem só pela redação. Por tudo – em itálico, porque eu gosto de itálico. (G.P.)