domingo, 20 de novembro de 2011

Sobre coisas que você joga fora, versos reencontrados e "para sempre"

Às vezes as gavetas ficam cheias demais. Durante anos, você vai acumulando todo tipo de coisa – algumas mais importantes que outras – e chega um momento em que você precisa jogar algo fora. Geralmente, isso me causa um certo desconforto. Não pelo ato em si, mas pelo que ele representa. Em algum momento, você guarda; em outro, você joga fora. A cada uma dessas limpezas, de certa forma, você joga fora algo de si mesmo, e é assim que as coisas são.


Eis que eu estava limpando uma gaveta recentemente, relendo algumas anotações sobre fatos que hoje já não têm a mínima importância e lotando a lata de lixo, quando encontrei uma cópia impressa de O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto, um poema sobre a seca na região Nordeste do Brasil que eu estudei numa aula de Gêneros Literários há alguns anos. Sinceramente, não foi um poema do qual eu gostei – o tema não é dos meus favoritos –, mas três versos chamaram a minha atenção de forma especial. Na época, inclusive, eu rabisquei “wow! \o/” ao lado deles.


Os versos diziam:

Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Na época, essas palavras soaram muito verdadeiras, e ainda soam. Sonhos não são espessos, são coisas finas, delicadas, frágeis. Frágeis como bolhas de sabão. Frágeis como coisas que as pessoas dizem. Às vezes eles são tão frágeis que são capazes de destruir a si mesmos...

E por falar em coisas que as pessoas dizem, ontem eu assisti ao filme Under the Hawthorne Tree (山楂樹之戀), de Zhang Yimou. Uma obra de arte, como eu já esperava.


A narrativa se passa durante a Revolução de Mao, na China, época em que a jovem Jing é enviada ao campo para passar por um processo de reeducação junto aos camponeses, como era costume no regime Maoísta. Lá, ela se apaixona pelo filho de um membro do partido comunista, com o qual ela não pode se envolver. Uma vez que seu pai é um preso político e eles vivem numa sociedade em que os antecedentes familiares são muito valorizados, outro passo em falso poderia prejudicar o futuro de toda a sua família. Assim, Jing e o rapaz vivem um amor inocente e secreto. Porém, ainda que esteja disposto a esperá-la enquanto for necessário, ele é acometido de uma leucemia que o vitima rapidamente. E é aí que surgem as coisas que as pessoas dizem... Suas últimas palavras, as quais ele não chega a dizer verbalmente, são:

‎"我不能等你一年零一個月了, 也不能等你到二十五歲了, 但是我會等你一輩子。"
(Eu não posso esperar por você por um ano ou um mês, e não posso esperar até que você tenha 25 anos, mas eu vou esperar por você durante minha vida inteira.)

"Vou esperar você durante minha vida inteira" é uma coisa maravilhosa para se dizer – ainda que a vida dele tenha sido muito curta. No final das contas, uma "vida inteira" e "para sempre" são o mesmo: tudo o que se tem diante das incertezas da eternidade. E, tal qual os sonhos e as coisas que as pessoas dizem, o "para sempre" também é frágil. Não há "para sempre" que dure para sempre. (G.P.)

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