segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Sobre a realidade

Quando você olha para algo que está à sua frente, o ato de enxergar não acontece em tempo real. A luz viaja a 299792458 metros por segundo, é verdade, o que quer dizer que a fração de tempo necessária para que a luz chegue aos olhos é ínfima. Some a isso outra ínfima fração de tempo para que a informação visual seja processada em estímulos elétricos e você terá, em termos gerais, pouco mais que nada. Ainda assim, não enxergamos em tempo real. Ou seja, o que nós vemos no presente já é passado, uma realidade no limbo entre o que existe e o que é visto.

Assim sendo, poderíamos continuar divagando sobre a efemeridade ou sobre aquele cara que atravessou o rio, mas não. Hoje o assunto é realidade. E também interpretação, porque uma coisa não funciona sem a outra. Vamos lá então.

Definição de dicionário: real, do latim reale, é aquilo “que tem existência no mundo dos sentidos”. Em outras palavras, se você sente, é real. Muitas vezes, porém, as pessoas sentem coisas que não são passíveis de mensuração empírica. Seguindo essa definição, tudo que alguém pode sentir é tão real quanto, digamos, uma tijolada entre as omoplatas na calada da noite. Mas o dicionário continua: real é aquilo “que não é imaginário”. Porém, é difícil definir o que é imaginário ou não. Até porque, numa perspectiva quântica, tudo é energia, e, portanto, tudo é nada. Os átomos e as sinapses mais alcoolizadas são ambos feitos de nada. É algo que os budistas já sabiam há muito tempo e que a Ciência com C maiúsculo vem descobrindo recentemente – mas essa é outra história.



O fato é que imaginação e realidade (ou realidade e interpretação individual da realidade, o que muitas vezes não é muito diferente de imaginação), sob a ótica certa, podem ser separadas apenas por uma linha tênue, como o reflexo de uma montanha e a própria montanha. Quem é que pode dizer o que é mais real? (G.P.)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sobre a paz perdida num ponto do globo



Na vila de Xijiang Miao (西江苗寨), uma garota descansa em frente a um rio. Essa vila pertence ao Parque Nacional do Monte Leigong, no condado de Leishan, centro da China, e é um dos lares do povo Miao - uma das 55 minorias étnicas chinesas. Lá, onde o tempo parece ter parado de fluir entre as montanhas verdes e as plantações de arroz, é possível entender um pouquinho do que realmente se trata a paz.

In the Xijiang Miao Village (西江苗寨), a girl rests in front of a river. This village belongs to the Mount Leigong National Park, in Leishan county, center of China, and it's one of the homes of the Miao people - one of the 55 Chinese minorities. There, where time seems to have stopped flowing among the green mountains and the rice fields, it's possible to understand a little bit of what peace is really about.

西江苗寨,一个女孩正在河畔休息。该苗寨位于中国的中心,地处雷山县境内,属于中国雷公国家公园的一部分。另外,西江苗寨是中国55个少数民族之一——苗族的发源地。在那里,时间似乎在青山绿水以及稻田的美景中停滞,而正是在这样的景色中,人们或许可以真正感受到和平的真谛。



Localização aproximada / approximate location / 大概方位:
26°29'48.10"N - 108°10'27.71"L




sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre atravessar o rio

Vamos pensar sobre aquele cara que, hipoteticamente, atravessou o rio. Ao chegar ao outro lado, ele deixou de ser “o cara que nunca atravessou o rio” para se tornar “o cara que já atravessou o rio”, mudando assim não apenas a si mesmo, mas o mundo inteiro, que deixa de ser “o mundo no qual aquele cara específico nunca havia atravessado o rio” e passa a ser “o mundo no qual aquele cara específico já atravessou o rio”. Parece insignificante, mas, numa perspectiva ampla, são fatos assim que mudam todo o resto. É aquela velha história da borboleta batendo as asas num lado do mundo e causando um furacão no outro lado; você nunca sabe os desdobramentos que as suas ações terão daqui a um segundo ou um século. As variáveis são muitas. Previsões perfeitas são uma ilusão, pois o destino é uma coisa extremamente frágil. Uma palavra pode iniciar uma reação em cadeia e, BUM!, quando você se dá conta, "buckle your seatbelt, Dorothy, ‘cause Kansas is going bye bye!" (G.P.)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sobre a efemeridade (+ haikai #3 e haikai #4)

“Nós somos efêmeros”,
às flores da cerejeira
o homem falou.

Não tem rumo certo
a libélula que vaga
no mundo efêmero.

A efemeridade é a qualidade daquilo que é efêmero, transitório, cuja duração é curta. Por algum motivo, este é um conceito que soa assustador e belo para mim. Tudo que é efêmero é mais frágil e, portanto, digno de maior apreço. É claro que tudo – sem exceções – é efêmero, se você pensar nisso ao extremo.

Amazing Sky

Airport worker
Um crepúsculo, é claro, é efêmero.

Loneliness

Sweet poison
Uma gota sob ação da gravidade é obviamente efêmera.

Sunset in Beijing

Pigeon and infinity
Nuvens são efêmeras.

E o que não é? Nós também somos. O próprio universo, para quem acredita no Big Bang, é efêmero; quando ele deixar de se expandir, tempo e espaço (e todo o resto) voltarão para dentro do ovo cósmico. Para quem acredita no Juízo Final, o mundo também é efêmero. Não importa; sob a perspectiva da eternidade, tudo que é finito é efêmero.

Então, tudo o que se tem é uma única chance para tudo. Se eu não me engano foi Heráclito quem disse que não se pode atravessar um mesmo rio duas vezes. É verdade. Quando você chega do outro lado, você se torna o cara que já atravessou o rio uma vez, e esse cara é diferente do cara que nunca atravessou o rio. As águas também serão outras, de forma que as versões anteriores de você e do rio não mais existirão. É a idiossincrasia de cada segundo; a idiossincrasia de qualquer coisa, na verdade. (G.P.)